sábado, 10 de março de 2012

Os 3 efes: Festival, Fado e Falhas

Hoje, a noite é de Festival RTP da Canção. Sílvia Alberto e Pedro Granger conduzem a 48ª edição do mais antigo concurso de música do país e prometem animar os telespectadores ao longo de três horas de emissão suportadas pelo guião escrito por Luís Filipe Borges. Apesar da longevidade, Festival da Canção sem falhas não é Festival da Canção... mas, afinal, o que é que soa a estranho nesta edição do concurso?
João Filipe Oliveira, José Raposo, Marina Ferraz

Um regresso a casa
Este ano, o Festival da Canção voltou a casa: um estúdio da RTP. Desde 2006 que o Festival se realizava em locais onde a vertente “ao vivo” foi superior à atenção para com os telespectadores. Assim, assistimos a este certame na antiga FIL, em 2006; na Sala Tejo, em 2007; no Campo Pequeno, em 2010; e no Teatro Camões nos anos 2008, 2009 e 2011.
Hoje, o mais antigo concurso de música de Portugal realiza-se no Estúdio 1 da RTP. Um pequeno espaço, com apenas 400 lugares, onde o mais importante parece ser a transmissão para os telespectadores. Na minha opinião, este ano, RTP está a pensar nas audiências e a trabalhar para que “lá em casa” as pessoas parem, escutem e olhem.
Será melhor? Será pior? O resultado se verá!
Reconheço a preocupação em montar, não um simples palco para apresentar músicas, mas sim um verdadeiro evento, um autêntico festival. E compreendo que talvez isso não seja possível num teatro. Assim, a passagem para um estúdio poderá fazer com que isso aconteça, pois possibilita montar um cenário inédito. Mas, sejamos honestos, perde-se público num estúdio tão pequeno como este.
Não vou dizer que precisávamos de montar um Festival da Canção com o palco do Dansk Melodi Grand Prix, ou um espaço enorme como o do Melodifestivalen. Ainda assim, um maior investimento por parte da RTP para a criação de um espaço intermédio traria vantagens, com certeza, ao Festival da Canção. Afinal, todo o espectáculo precisa de um público…
O retorno do Festival da Canção, em 2006, trouxe, no meu entender, uma imagem renovada ao concurso. Um dos seus principais objectivos deveria passar por aproximar o festival daqueles que lhe dão valor: os fãs. Se até 2010 tudo se parecia encaminhar para que, cada vez mais, os apoiantes, deste certame, se sentissem próximos dos cantores e de todo o espectáculo, eis que a RTP decide, este ano, realizar um evento que vai na edição 48º, num espaço para 400 pessoas!
Eu pergunto: sentir-se-ão os cantores, que vêem o Festival como um grande evento, preparados para as 400 pessoas quando esperavam encontrar um espaço grande? Ou sentir-se-ão os fãs desvalorizados depois de tanto investirem para tentar assistir ao vivo a um grande espectáculo?
São perguntas que cada um deve fazer a si próprio e, quando muito, perguntar à própria RTP.
Na minha humilde opinião, o Festival da Canção merecia ser valorizado e respeitado pela sua idade. E os fãs mereciam um lugar privilegiado. Não se esqueçam que quem faz o Festival são os fãs e não as carinhas larocas que aparecem na primeira fila.
Não é num estúdio de 400 pessoas que vão dar o valor que o Festival tem e merece. Por isso, pensem que ter mil lugares a distribuir por famílias dos concorrentes, “personalidades” da RTP e fãs não são assim tantos.

O fado de um festival sem Fado
Meses depois de o fado se ter tornado Património Imaterial da Humanidade, a produção do Festival da Canção optou por prestar homenagem a este género musical, que tantos julgam ser definidor do povo lusitano.
Com um passado no qual a incursão pelo fado foi rara e a representação deste estilo na Eurovisão jamais ocorreu, surgiu, então, este ano, uma intenção de homenagem, bem patente na decisão de que todas as músicas presentes na edição de 2012 do festival teriam de conter traços desse género musical.
As músicas a que assistimos nos ensaios, no entanto, deixam no ar uma dúvida que se assume na pergunta, a meu ver pertinente: onde se encontra o fado por entre as canções apresentadas a concurso?
Das doze músicas concorrentes, são raras aquelas cuja sonoridade remete realmente para o fado, embora o tinir constante das guitarras portuguesas se assuma, repetitivamente e de forma abusada ao longo de quase todos os temas. Os estilos apresentados variam entre o pop, o folk ligeiro e as muitas baladas mas, entre as músicas a concurso, nenhuma traz consigo o "nosso" fado e apenas uma cheira a fado, embora não se apresente, também, como um fado puro.
A falta do fado numa homenagem ao fado tenta ser compensada por letras sentimentais e pelo "chorar" das guitarras que, em alguns temas, entram em cena sem sequer serem audíveis nos instrumentais. Um tanto ou quanto estranho...
Para quem gostasse de ver um género verdadeiramente luso a representar Portugal, resta desejar que, num outro ano, a homenagem ao fado não seja, na verdade, uma homenagem vazia a um único instrumento musical. Então, quem sabe, talvez o que é verdadeira e intrinsecamente nosso seja valorizado em Portugal e possamos erguer a cabeça e apresentar lá fora este género que tanto nos define enquanto povo e tanto nos orgulhou ao tornar-se Património Imaterial da Humanidade, no final do ano passado.

Produção, fãs e alguma confusão
Artistas, canções, produção e público... tudo bem misturado e uma boa dose de animação fazem um Festival da Canção. Ainda assim, parece que nem ao fim de 48 anos a repetir a receita, a RTP acerta nas doses certas dos ingredientes.
Este ano, a casa é nova e o concurso decorre num estúdio de televisão feito à medida, totalmente equipado para a grande gala. Desde quinta-feira que a equipa técnica ensaia o evento desta noite e a imprensa foi convidada a acompanhar os trabalhos e fazer a cobertura dos ensaios. Com acesso aberto aos sites e à OGAE Portugal, a RTP deixou de parte o mais importante: aquilo que se poderá apelidar de condições mínimas para fazer um trabalho digno no acompanhamento dos ensaios. O espaço não tem cobertura de rede móvel, o que impossibilitou a disponibilização de qualquer vídeo dos ensaios e a rede sem fios para convidados da RTP esteve indisponível. Será caso para dizer: sorte a da queridíssima e sempre profissional repórter web que chega a horas e filma com um telemóvel!
Redes e ligações à parte, é também de lamentar a obsessão do realizador em expulsar do estúdio todos aqueles que se faziam acompanhar de uma acreditação "imprensa" ou "sites". Nos motivos de tamanha limpeza à sala estava, alegadamente, o secretismo das roupas dos concorrentes. Correcto, diria eu... não tivessem os ensaios decorrido sem as roupas da grande gala. Perante isto, questiono-me sobre os motivos deste convite a abandonar o local: haverá algo bombástico e ultra-secreto para ser revelado nas próximas horas? Terão medo que se diga que a apresentadora irá, quem sabe, usar um vestido branco?  Ou terão receio que se escreva sobre o guião?
Bem, já se faz tarde e a homenagem a Pedro Osório está quase a começar... daqui a pouco descem os apresentadores pela escadaria, saindo em simultâneo cada um do seu extremo, sorridentes, até ficarem lado a lado: "Sejam muito bem-vindos à 48ª edição do Festival da Canção".

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